sexta-feira, 29 de julho de 2011

O problema do mal


“Você acredita em Deus?” Com essa pergunta, a jornalista terminava uma longa entrevista com um conhecido esportista nacional. A resposta que ele lhe deu chamou minha atenção, porque expressa o que muita gente pensa a respeito do problema do mal. O drama e a angústia do esportista são a angústia e o drama de inúmeras pessoas, em situações, épocas e lugares diferentes: “É difícil dizer que acredito em Deus. Quanto mais desgraças vejo na vida, menos acredito em Deus. É uma confusão na minha cabeça; não encontro explicação para o que acontece. Por que é que meu filho nasce em berço de ouro, enquanto outro, infeliz, nasce para sofrer, morrer de doença, e há tudo isso de triste que a gente vê na vida? É uma coisa que não entendo e, como não tenho explicação, é difícil de acreditar em um Ser superior.”
O mal, o sofrimento e a doença fazem parte de nosso cotidiano. As injustiças, a fome e a dor são tão frequentes em nosso mundo que parecem ser normais e obrigatórias. Fôssemos colocar em uma biblioteca todos os livros já escritos para tentar explicar o porquê dessa realidade, ficaríamos surpresos com sua quantidade.
Para o cristão, mais do que um culpado, o mal tem uma causa: a liberdade. Fomos criados livres, com a possibilidade de escolher nossos caminhos. Podemos, pois, fazer tanto o bem quanto o mal. Se não tivéssemos inteligência e vontade, não existiria o mal no mundo; se fossemos meros robôs, também não. Por outro lado, sem liberdade não haveria o bem e nem saberíamos o que é um gesto de amor. Também não conheceríamos o sentido de palavras como gratidão, amizade, solidariedade e lealdade.
O mal nasce do abuso da liberdade ou da falta de amor. Nem sempre ele é feito consciente ou voluntariamente. Quanto sofrimento acontece por imprudência! Poderíamos recordar os motoristas que abusam da velocidade ou que dirigem embriagados, e acabam mutilando e matando pessoas inocentes. Não é da vontade de Deus que isso aconteça. Mas Ele não vai corrigir cada um de nossos erros e descuidos. Não impedirá, por exemplo, que o gás que ficou ligado na casa fechada asfixie o idoso que ali dorme. Repito: Deus não intervém a todo momento para modificar as leis da natureza ou para corrigir os erros humanos.
O que mais nos angustia, talvez pela gravidade das consequências, é o mal causado pela violência, pelo ódio e egoísmo. Os assassinatos e roubos, os sequestros e acidentes, as guerras e destruições são como que pegadas da passagem do homem pelo mundo. O mal acontece porque usamos de forma errada nossa liberdade ou não aceitamos o plano de Deus, expresso nos mandamentos. Quando nos deixamos levar pelo egoísmo e seguimos nossas próprias ideias, construímos o nosso mundo, não o mundo desejado por Deus para nós.
Outro imenso campo de sofrimento é o das injustiças. Quantos se aproveitam de sua posição e de seu poder para se enriquecer sempre mais, à custa da miséria dos fracos e do sofrimento dos indefesos! Terrível poder o nosso: podemos fechar-nos em nosso próprio mundo e contemplar, indiferentes, a desgraça dos outros.
Não se pode, também, esquecer o mal causado pela natureza, quando suas leis não são respeitadas. Com muita propriedade, o povo diz: “Deus perdoa sempre; o homem, nem sempre; a natureza, nunca!” A devastação das florestas e a contaminação das águas fluviais trazem consequências inevitáveis, permanentes e dolorosas para a vida da humanidade. Culpa de Deus?…
Diante do mal, não podemos ter uma atitude de mera resignação. Cristo nos ensina a lutar, combatendo o mal em suas causas. O bom uso da liberdade e a prática do bem nos ajudarão a construir o mundo que o Pai sonhou para nós. Descobriremos, então, que somos muito mais responsáveis por nossos atos do que imaginamos. Fugir dessa responsabilidade, procurando fora de nós a culpa de nossos erros é uma atitude cômoda, ineficiente e incoerente. Assumirmos a própria história, colocando nossas capacidades a serviço dos outros, é uma tarefa exigente, sim, mas que nos dignifica e nos realiza como seres humanos e filhos de Deus.








Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia

fonte: arquidiocesesalvador.org.br

quarta-feira, 27 de julho de 2011

I ESTAÇÃO do HINO AKÁTHISTOS

I ESTAÇÃO («O Anúncio do Anjo Gabriel») do hino à Mãe de Deus - "Akáthistos" - como indica a terminologia da palavra, deve ser cantado de pé.

1. O mais sublime dos anjos
foi enviado dos céus
para dizer «Ave» à Mãe de Deus.
Vendo-te, Senhor, feito homem
à sua angélica saudação,
deteve-se extasiado diante da Virgem,
aclamando-a assim:

Ave, por ti resplandece a alegria!
Ave, por ti a maldição toda cessa!
Ave, reergues o Adão decaído!
Ave, tu estancas as lágrimas de Eva!

Ave, mistério que excede o intelecto humano!
Ave, insondável abismo aos olhares dos anjos!
Ave, porque és o trono do Rei soberano!
Ave, porque tu governas quem tudo governa!

Ave, ó estrela que o sol anuncias!
Ave, em teu seio é que Deus se fez carne!
Ave, por quem a criação se renova!
Ave, o Criador fez-se em ti criancinha!

Ave, Virgem e esposa!

terça-feira, 26 de julho de 2011

Verbum Mundo: A Palavra permanece


A missão da Igreja é evangelizar. O papa Paulo VI, na Evangelii Nuntiandi 14, deixou claro que “Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, sua mais profunda identidade”.
O centro da vocação da Igreja é o anúncio do Evangelho, apresentar Jesus como sentido e esperança para as pessoas e a sua palavra como resposta aos anseios do coração.
Diante de tantos contravalores, tais como terrorismo, violência, injustiças, tráfico humano, drogas, enriquecimento fácil, corrupção, vida descartável, e tantos outros, a Igreja é provocada a viver a Palavra e testemunhá-la como própria exigência de sua fé.
Urge o anúncio da Palavra a todos e em todos os ambientes, em cada “âmbito da humanidade” como chamado à verdadeira conversão e encontro com o Deus da Vida.
A Exortação Apostólica Pós Sinodal Verbum Domini, na terceira parte, “Verbum Mundo”, ressalta que a missão da Igreja é anunciar a Palavra de Deus ao mundo. É nesse mundo atual, com todas as suas belezas e problemas que a Palavra de Deus deve ser vivida, testemunhada e proclamada.
O documento ressalta que todos os batizados são responsáveis pelo anúncio da Palavra e a Igreja não deve se limitar a uma pastoral de manutenção; é preciso disposição para uma nova evangelização através de um verdadeiro testemunho cristão.
Essa atitude extrapola as paredes da igreja e conduz a um compromisso na sociedade. É o sentir-se com a Igreja, sentir-se igreja. Ser de fato igreja viva em todos os ambientes.
O documento traz acentos pertinentes, pois “o amor ao próximo, radicado no amor de Deus, deve ser o nosso compromisso constante com os indivíduos e na comunidade eclesial local e universal”, recordando, de forma especial, seu anúncio aos jovens, migrantes, doentes e pobres.
O compromisso da Palavra com o mundo também engloba o “reconhecimento da cultura para a vida do homem”, por isso a necessidade de promover o conhecimento da Bíblia nas escolas e universidades para “superar antigos e novos preconceitos e procurando dar a conhecer a sua verdade”. O mesmo conhecimento deve ser favorecido às diversas expressões artísticas e nos meios de comunicação social, sem esquecer as novas formas de comunicação para que não anulem o real em detrimento do virtual.
A Exortação chama à atenção para o anúncio a Palavra ao mundo através do testemunho dialógico no universo interreligioso, no sentido de manifestar “como o autêntico sentido religioso pode promover entre os homens relações de fraternidade universal”.
O acento está na atitude da Igreja que deve ir ao encontro de todos. Impulsionada pelo Espírito deve testemunhar a encarnação do Verbo e anunciar com voz profética a Palavra da vida. Todos são convidados ao conhecimento da Bíblia para que possam conhecer de fato a pessoa de Jesus.
O documento Verbum Domini, no seu todo, nos mostra a Palavra de Deus como centro e parceira na caminhada da vida. Sendo Palavra de Amor para todas as pessoas convida ao encontro, identificação e resposta pelo compromisso e testemunho através do amor.
Há muito que fazer, precisamos progredir na encarnação da Palavra em nosso coração, nossa família, nossa oração, pastorais, movimentos, homilias, etc. Um caminho é a prática da Leitura Orante da Bíblia, pois precisamos “redescobrir’ essa riqueza que nos foi confiada para um efetivo encontro com Cristo.
Com a Verbum Domini somos incentivados a centralizar a Palavra de Deus em nossa vida para que possamos “conhecê-la, amá-la e testemunhá-la” como sacramento de santidade, caridade, amizade, pois Deus falou e continua falando. No mundo a Palavra permanece.


Artigo publicado na revista PEGADAS, Julho/2011, pág. 03 - Publicação da Paróquia Sagrado Coração de Jesus - Méier - Rio de Janeiro

domingo, 3 de julho de 2011

Parada Gay: respeitar e ser respeitado


Eu não queria escrever sobre esse assunto; mas diante das provocações e ofensas ostensivas à comunidade católica e cristã, durante a Parada Gay deste último domingo, não posso deixar de me manifestar em defesa das pessoas que tiveram seus sentimentos e convicções religiosas, seus símbolos e convicções de fé ultrajados.
Ficamos entristecidos quando vemos usados com deboche imagens de santos, deliberadamente associados a práticas que a moral cristã desaprova e que os próprios santos desaprovariam também. Histórias romanceadas ou fantasias criadas para fazer filmes sobre santos e personalidades que honraram a fé cristã não podem servir de base para associá-los a práticas alheias ao seu testemunho de vida. São Sebastião foi um mártir dos inícios do Cristianismo; a tela produzida por um artista cerca de 15 séculos após a vida do santo, não pode ser usada para passar uma suposta identidade homossexual do corajoso mártir. Por que não falar, antes, que ele preferiu heroicamente sofrer as torturas e a morte a ultrajar o bom nome e a dignidade de cristão e filho de Deus?!
“Nem santo salva do vírus da AIDS”. Pois é verdade. O que pode salvar mesmo é uma vida sexual regrada e digna. É o que a Igreja defende e convida todos a fazer. O uso desrespeitoso da imagem dos santos populares é uma ofensa aos próprios santos, que viveram dignamente; e ofende também os sentimentos religiosos do povo. Ninguém gosta de ver vilipendiados os símbolos e imagens de sua fé e seus sentimentos e convicções religiosas. Da mesma forma, também é lamentável o uso desrespeitoso da Sagrada Escritura e das palavras de Jesus – “amai-vos uns aos outros” – como se ele justificasse, aprovasse e incentivasse qualquer forma de “amor”; o “mandamento novo” foi instrumentalizado para justificar práticas contrárias ao ensinamento do próprio Jesus.
A Igreja católica refuta a acusação de “homofóbica”. Investiguem-se os fatos de violência contra homossexuais, para ver se estão relacionados com grupos religiosos católicos. A Igreja Católica desaprova a violência contra quem quer que seja; não apoia, não incentiva e não justifica a violência contra homossexuais. E na história da luta contra o vírus HIV, a Igreja foi pioneira no acolhimento e tratamento de soro-positivos, sem questionar suas opções sexuais; muitos deles são homossexuais e todos são acolhidos com profundo respeito. Grande parte das estruturas de tratamento de aidéticos está ligada à Igreja. Mas ela ensina e defende que a melhor forma de prevenção contra as doenças sexualmente transmissíveis é uma vida sexual regrada e digna.
Quem apela para a Constituição Nacional para afirmar e defender seus direitos, não deve esquecer que a mesma Constituição garante o respeito aos direitos dos outros, aos seus símbolos e organizações religiosas. Quem luta por reconhecimento e respeito, deve aprender a respeitar. Como cristãos, respeitamos a livre manifestação de quem pensa diversamente de nós. Mas o respeito às nossas convicções de fé e moral, às organizações religiosas, símbolos e textos sagrados, é a contrapartida que se requer.
A Igreja Católica tem suas convicções e fala delas abertamente, usando do direito de liberdade de pensamento e de expressão. Embora respeitando as pessoas homossexuais e procurando acolhê-las e tratá-las com respeito, compreensão e caridade, ela afirma que as práticas homossexuais vão contra a natureza; essa não errou ao moldar o ser humano como homem e mulher. Afirma ainda que a sexualidade não depende de “opção”, mas é um fato de natureza e dom de Deus, com um significado próprio, que precisa ser reconhecido, acolhido e vivido coerentemente pelo homem e pela mulher.
Causa preocupação a crescente ambiguidade e confusão em relação à identidade sexual, que vai tomando conta da cultura. Antes de ser um problema moral, é um problema antropológico, que merece uma séria reflexão, em vez de um tratamento superficial e debochado, sob a pressão de organizações interessadas em impor a todos um determinado pensamento sobre a identidade do ser humano. Mais do que nunca, hoje todos concordam que o desrespeito às leis da natureza biológica dos seres introduz neles a desordem e o descontrole nos ecossistemas; produz doenças e desastres ambientais e compromete o futuro e a sustentabilidade da vida. Ora, não seria o caso de fazer semelhante raciocínio, quando se trata das leis inerentes à natureza e à identidade do ser humano? Ignorar e desrespeitar o significado profundo da condição humana não terá consequências? Será sustentável para o futuro da civilização e da humanidade?
As ofensas dirigidas não só à Igreja Católica, mas a tantos outros grupos cristãos e tradições religiosas não são construtivas e não fazem bem aos próprios homossexuais, criando condições para aumentar o fosso da incompreensão e do preconceito contra eles. E não é isso que a Igreja Católica deseja para eles, pois também os ama e tem uma boa nova para eles; e são filhos muito amados pelo Pai do céu, que os chama a viver com dignidade e em paz consigo mesmos e com os outros.
Publicado em O SÃO PAULO, ed. de 28.06.2011
Card. Odilo P. Scherer
Arcebispo de São Paulo